"Obra de sua autoria
Ele não louva, nem deplora:
Entrega-a à própria sorte
Como age resoluta a natureza,
com toda a sua criação." Emerson
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Imaginação e ousadia

 A situação política nacional leva a alguns enganos, como, por exemplo, confundir democracia com ideologia. A democracia é o regime político baseado nos princípios da soberania popular, liberdade eleitoral, distribuição eqüitativa e divisão dos poderes com o controle da autoridade, onde todo o poder emana do povo, é a melhor forma encontrada para vencer a autocracia. Já a ideologia é o conjunto articulado de idéias que confere unidade a um grupo social, é a ciência das idéias, no caso dos partidos é o que dá a sua identidade política, o que baliza a sua ação.
Mas não podemos negar que o ser humano tem um lado sombrio que é terrível. A busca pelo poder político, econômico e social mostra que não são apenas fraquezas pontuais, mas pode assumir uma dinâmica tenebrosa. A mediocridade assumindo uma forma superior, a de novo herói, com seu valor reconhecido pelo rebanho acaba flutuando acima do bem e do mal, se transformando em um monstro delirante. O único remédio possível é a reflexão autocrítica, a compreensão de si mesmo e da nossa situação, a partir da consciência lúcida e livre, subsidiados pelo conhecimento emancipado. Assim quando o individuo descobre que precisa mudar, percebe que não poderá permanecer perfeitamente idêntico ao que era anteriormente. Pois, se não tiver esta postura vai ser como pular sobre a sua sombra ou erguer-se pelos próprios cabelos. Desta mudança, na prática, cada um transforma-se numa força social e/ou política. É o conhecimento como evento histórico e não reflexão abstrata.
Como disse Vladimir Lenin (1870-1924) “o partido tem que se depurar daqueles que só querem aproveitar as vantagens conferidas pela situação de membro do partido governamental, e que não querem ter o incômodo de trabalhar com abnegação”.
Os partidos políticos trocaram suas ideologias pelo “amor”  ao poder e seus benefícios. Hoje vemos agremiações políticas embatendo ferozmente, e no instante seguinte celebrando insondáveis coligações em nome da nação. Não há mais direita, centro ou esquerda, só dá para distinguir as siglas como sendo Governo ou Oposição, é a isto que se resume o quadro partidário brasileiro. Urge que uma Comissão Parlamentar de Inquérito descubra aonde se perdeu a imaginação e a ousadia no fazer política, pois só assim se poderá restaurar a honra e a dignidade do agir público.
Não podemos esquecer que pari passu andam políticos e eleitores, todos são responsáveis pela situação social, e para nossa reflexão permanece uma frase do escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900): “A vida pública e a vida privada são duas coisas diferentes, são regidas por leis diferentes e se movem em planos diferentes”.
Autor: Nei Colombo
Artigo de opinião publicado em 2005 no Jornal Diário de Santa Maria do Grupo RBS.
[Imagem: “Allégorie de soie” - Salvador Dali]